HPV: HIV e Gravidez

Vem aumentando número de mulheres infectadas pelo HIV no mundo todo através de relações heterossexuais. A transmissão vertical é a principal forma de infecção por HIV na população infantil, chegando a 90% dos casos notificados de AIDS em menores de 13 anos no Brasil.

Aproximadamente 15 a 30% das crianças nascidas de mãe soropositiva para HIV adquirem o vírus na gestação, durante o trabalho de parto ou por amamentação. Essa transmissão ocorre mais no final da gestação, durante o trabalho de parto ou no parto propriamente dito.

Estudos (Protocolo 076 de AIDS Clinical Trials Group – ACTG) comprovaram que o uso de AZT pela mulher durante a gestação, trabalho de parto, parto e pelo recém-nascido, pode reduzir a transmissão vertical em 70%.

Estudo realizado na Tailândia em 1998, demonstrou que o uso de AZT oral em curta duração, iniciado na 36a semana de gravidez e mantido durante o trabalho de parto e parto, sem administração para o RN, e com substituição do leite materno, foi capaz de reduzir a taxa de transmissão vertical em 50%.

Vem aumentando a transmissão materno fetal (Transmissão Vertical – TV) de algumas DSTs como a sífilis, o HIV e o HPV.

A assistência pré-natal é de grande importância para adoção de medidas que controlem a TV dessas doenças.

O uso de drogas antiretrovirais e as condutas que visam prevenir as infecções oportunistas nas portadores do HIV, tem proporcionado uma maior sobrevida para estas pacientes, além de melhorar a evolução da infecção pelo HPV por melhorar o sistema imunológico.

A administração em tempo hábil de anti-retrovirais durante a gravidez reduz a transmissão vertical do HIV para um terço dos casos.

A infecção pelo HIV é a única DST que pode modificar o curso natural das outras DSTs e torna mais difícil o controle da infecção pelo HPV, sendo  a incidência e a prevalência do HPV mais elevadas entre gestantes portadoras do HIV.

Em 1993, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Atlanta (CDC-EUA) considerou as lesões precursoras do câncer de colo na classificação da infecção pelo HIV.

Assim, a mulher portadora de HIV e neoplasia intra-epitelial cervical (NIC) ou lesão intra-epitelial de alto ou baixo grau (LIE) está classificada na fase B (Early Symptomatic HIV Infection) e a mulher com HIV e carcinoma invasor de colo uterino é classificada como portadora da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).

Além do tipo de HPV envolvido, carga viral persistentemente elevada, a imunidade do hospedeiro e outros co-fatores como a infecção pelo HIV, apresentam grande importância no desenvolvimento da NIC e na sua progressão em direção ao câncer cervical. Portanto, é possível que a história natural das NIC/LIE seja realmente diferente em pacientes imunocomprometidas em decorrência da infecção por esse retrovírus.

Estudos sobre a interação molecular entre HIV e HPV demonstraram que a proteína tat do HIV é capaz de induzir transformações nos genes precoces E6 e E7 do HPV, sugerindo que a proteína tat tem ação potencializadora na progressão das neoplasias induzidas pelo HPV.

Além disto, o HIV não infecta somente os linfócitos TCD4, mas também células que podem estar infectadas pelo HPV como células de Langherans, células M e células dendríticas das mucosas genital e retal, proporcionando a interação entre os dois vírus.

A elevada prevalência da infecção pelo HPV durante a gestação reflete a imunomodulação característica do período gestacional cujas principais modificações são:

  • Redução da atividade e número dos linfócitos T helper e T supressor. Esta redução é recuperada até o 6º mês de puerpério na mulher normal, mas não é observada na portadora do HIV,
  • Redução das imunoglobulinas das classes G e A (IgG e IgA) no muco cervical,
  • Aumento da replicação do HPV em decorrência dos altos níveis de esteróides próprios da gravidez, estimulando os receptores estrogênicos virais,
  • Redução da síntese de macrófagos e linfócitos em decorrência dos elevados níveis de hormônios esteroides e
  • Facilidade de integração do genoma do HPV ao da célula hospedeira, fenômeno potenciado pela progesterona.

Estes fatores tornam a gestante portadora do HIV extremamente suscetível à infecção pelo HPV e inúmeras questões como a progressão das lesões durante a gravidez, o melhor tipo e momento do tratamento, a possibilidade de transmissão vertical e o tipo de parto, permanecem controversos. Somente o controle cuidadoso e adequada assistência pré-natal destas mulheres poderão elucidar estes questionamentos.

  1. Diagnóstico da infecção pelo HIV-1

Determinação do Conselho Estadual de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) que é dever do médico que presta assistência pré-natal o oferecimento da sorologia anti-HIV durante a gravidez. Por isso o rastreamento desta infecção tornou-se medida fundamental na qualidade da assistência pré-natal no estado de São Paulo a partir do ano 2000.

O diagnóstico da infecção pelo HIV baseia-se no diagnóstico laboratorial, visto que a maioria das pacientes é assintomática. O diagnóstico laboratorial tem início com uma amostra sérica avaliada pelo ELISA. Sendo positiva, deve-se repeti-la em outra amostra sanguínea.

Persistindo a positividade é necessário uma prova confirmatória, que podem ser sorológicas ou de detecção viral. Em geral utiliza-se o Western-blot ou a aglutinação. Havendo dúvida pelo Western-blot, essas são aclaradas com a amplificação gênica induzida pela polimerase (PCR). Estas últimas provas são onerosas e de resultado demorado, por isso, a conduta nem sempre pode aguardá-las.

Ao darem entrada no Centro Obstétrico, as gestantes não testadas previamente devem ser orientadas e aconselhadas a submeterem-se ao teste de identificação rápida da infecção pelo HIV. Isto possibilita que os fetos/recém-nascidos das mães identificadas por esse método possam se beneficiar do uso da zidovudina intra-parto (AZT). Apesar desse teste apresentar sensibilidade e especificidade elevadas, todas as amostras devem ser testadas posteriormente com a técnica ELISA.

  1. Diagnóstico da infecção pelo HPV

A infecção pelo HPV pode ser classificada em clínica, sub-clínica e latente. A infecção clínica caracteriza-se pela presença de lesões verrucosas que não necessitam aparelhos ou exames especiais para serem diagnosticadas. Geralmente são causados por vírus do grupo não-oncogênico (6 e 11) e são altamente transmissíveis (alta carga viral).

Estas lesões costumam apresentar crescimento rápido tornando-se volumosas nas gestantes e em especial nas pacientes portadoras do HIV. A localização mais freqüente é na vulva, embora possam acometer vagina, colo e ânus.

A infecção subclínica só é diagnosticada através de exames como a colpocitologia, colposcopia e biópsia dirigida da lesão com avaliação anátomo-patológica. Pode ser causada tanto por HPV do grupo oncogênico como não oncogênico, fator importante no prognóstico da evolução da lesão. Nestes casos a transmissibilidade é baixa, porém possível. Em pacientes portadoras da infecção pelo HIV é comum a associação dos tipos virais de alto e baixo risco.

As lesões subclínicas podem ser de alto grau e de baixo grau e também podem acometer vulva, vagina, colo e ânus.

O terceiro tipo de infecção é chamado de latente e significa ausência de lesão no trato genital, sendo identificadas apenas com testes de biologia molecular detectando o DNA do HPV. Na prática, estas técnicas ainda tem utilização limitada. Note que na infecção latente a transmissibilidade é baixa ou nula e não há oncogenicidade, visto que não há lesão.

  1. Assistência pré-natal na mulher com HIV-1 e HPV

A assistência pré-natal deve ser multidisciplinar, com a participação de assistente social, enfermagem, profissional de apoio psicológico, infectologista e obstetra, obviamente.

Primeira consulta

  • Anamnese

Pesquisar os hábitos sexuais (idade da primeira relação sexual, número de parceiros, tipo de sexo) e utilização de drogas ilícitas da paciente e do parceiro, hábito de fumar, história ou presença de outras DST, diarréia, febre, perda de peso ou linfadenomegalia.

  • Exame físico geral, especial e tocoginecológico

Estado geral, mucosas, medir/palpar o útero e aferir a pressão arterial, atentar para o peso (importante para o seguimento futuro), pesquisa das cadeias ganglionares (adenomegalia) e genitoscopia (colposcopia, vaginoscopia e vulvoscopia) com biópsia após o tratamento de processos infecciosos vaginais.

  • Exames complementares

–     Citologia cérvico-vaginal (dupla);

–     Cultura endocervical para Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealyticum e Neisseria gonorrhaeae;

–     Pesquisa de Chlamydia trachomatis (anticorpos monoclonais ou PCR);

–     Gram do conteúdo vaginal (pesquisa de vaginose bacteriana);

–     Tipagem sanguínea e fator Rh;

–     Hemograma (contagem de plaquetas e hemoglobina);

–     Contagem de CD4/CD8;

–     Carga viral;

–     Reação sérica para toxoplasmose, rubéola, hepatite B, hepatite C e VDRL;

–     Parasitológico de fezes;

–     Urina tipo I e urocultura;

–     Provas de função hepática (transaminases, Gama-GT, bilirrubinas);

–     Glicemia de jejum e teste oral de tolerância à glicose (TOTG) com 50 gramas;

–     Ecografia obstétrica precoce;

–     Contraindicado exames invasivos sobre o feto.

  • Conduta

–     Orientação geral a respeito das infecções/gestação;

–     Oferecer profilaxia com AZT ou o tratamento tríplice, orientando e esclarecendo as dúvidas da paciente;

–     Oferecer seguimento psicológico, de enfermagem e da assistente social;

–     Orientar meias elásticas, hidratantes para evitar estrias e controlar exposição solar;

–     Falar da amamentação artificial e planejamento familiar;

–     Marcar retorno o mais rápido para saber o resultado do hemograma e da função hepática para começar o uso do(s) antirretroviral (is).

–     Orientar o afastamento/controle das situações de reexposição viral;

–     Orientar e fornecer condon;

–     Programar tratamento da infecção clínica do HPV (verrugas).

Seguimento pré-natal

–     Aferir o peso, conversar sobre queixas, responder às perguntas suscitadas pelas informações anteriores e aferir afastamento das situações que promovem reexposicão viral. Verificar uso da medicação antirretroviral e efeitos colaterais;

–     Instituir ou verificar o uso correto da medicação antirretroviral e efeitos colaterais;

–     Cumprir os passos rotineiros de um retorno pré-natal, acrescendo a palpação das cadeias ganglionares mensalmente.

–     A genitoscopia e a coleta da colpocitologia será trimestral.

–     O VDRL e o HBsAg devem ser repetidos trimestralmente se a paciente é sexualmente ativa. Se necessário, complementar com o FTA-Abs ou microhemaglutinação.

–     Repetir a reação para toxoplasmose trimestralmente nos casos em que ela foi negativa inicialmente;

–     Hemograma e Contagem CD4/CD8 trimestralmente;

–     Com 28 semanas, repetir o TOTG com 50 gramas de glicose. Em gestantes de risco para diabetes, com 32 semanas de gestação fazer TOTG com 75 gramas de glicose;

–     Ecografia mensal;

–     Provas de vitalidade fetal iniciando com 32 semanas (ou antes, se necessário), incluindo cardiotocografia, avaliação com método doppler e perfil biofísico;

–     Repetir provas de função hepática bimensalmente nas pacientes que estiverem tomando medicação antirretroviral;

–     Analisar condições de iniciar/continuar o uso de medicação antiretroviral. A dose preconizada do AZT é de 600 mg/diários (comprimido=100mg/). Pode ser administrado dois comprimidos de 8/8 ou 3 comprimidos de 12/12 horas;

–     Se a paciente tiver indicação de tratamento, prefere-se a associação de AZT, 3TC e nelfinavir. No mercado já está disponível a associação de AZT (300 mg) +3TC (150 mg). A dose do nelfinavir (comprimidos de 250 mg) é de 750 mg via oral de 8/8 horas;

–     Profilaxia da pneumonia por Pneumocystis carinii se CD4 for menor que 200 células/mm 3 ;

–     Tratar as afecções passíveis de tratamento;

–     Discutir planejamento familiar.

Constantemente, observa-se um grande aumento das lesões clínicas do HPV (verrugas) durante a gestação, embora não haja consenso quanto ao maior risco de progressão das NIC /LIE no período gestacional. Em especial nas gestantes infectadas pelo HIV-1 é freqüente o desenvolvimento de grandes condilomas que acometem vulva, vagina, colo e ânus.

A indicação do tratamento é baseada na associação da condilomatose com outras infecções como vaginose, tricomoníase e no desconforto referido pela paciente na presença das verrugas genitais que dificultam a higiene e a atividade sexual. Portanto, apesar do conhecimento de que as lesões condilomatosas, em geral, regridem no puerpério, até a 34ª semana de gestação recomendamos tratamento destrutivo com métodos físicos (vaporização com LASER de CO2, eletrocauterização, criocauterização), levando em consideração à estética e função do trato genital inferior.

Após esta idade gestacional, devido à proximidade do parto, adota-se conduta expectante, indicando-se o tratamento no puerpério. O tipo de parto será definido pela quantificação da carga viral do HIV, salvo nos casos em que a condilomatose genital funcione como um tumor prévio impedindo o parto vaginal.

No caso das lesões subclínicas (LIE de baixo e de alto grau, após biópsia) a conduta é expectante com acompanhamento pré-natal , realizando-se exame citológico e colposcópico a cada oito semanas e nova biópsia se houver piora do achado colposcópico. A paciente é reavaliada com 90 dias de puerpério (pacientes portadoras do HIV são orientadas para aleitamento artificial) e então é decidido o tratamento conforme a regressão, progressão ou estabilização do diagnóstico da lesão cervical.

O câncer do colo uterino ocorre em aproximadamente 0,45 de cada 1.000 gestantes e a interrupção da gravidez para realização do tratamento depende da aceitação da paciente e da idade gestacional que a mesma se encontra. Não há estatística em relação à incidência de câncer de colo e gravidez de mulheres portadoras do HIV. Se diagnosticado até a 1ª metade da gestação é oferecida a interrupção médica da gravidez para a paciente. Se após a 1ª metade, faz-se a opção de seguir o pré-natal, acelerar a maturidade pulmonar e interromper a gestação na maturidade fetal.

Pré-parto

–     Com o diagnóstico de trabalho de parto, as pacientes contaminadas pelo HIV devem ser submetidas à lavagem do canal de parto com polivinilpirrolidona-iodo ou cloreto de benzalcônio;

–     Internação em área comum do pré-parto;

–     Administrar zidovudina na dose de 2 mg/kg, (dose de ataque) diluído em 10ml de soro fisiológico ou glicosado, via endovenosa.

–     Zidovudina endovenosa, na dose de 1mg/Kg, a cada hora de trabalho de parto.

–     Começar a contar a partir do horário de administração da 1ª dose;

–     Contraindicadas condutas invasivas sobre o feto;

–     Pacientes com cesárea eletiva devem fazer só a dose de ataque do AZT (2mg/kg), três horas antes da cesárea e dois repiques horários de 1 mg/kg. Se for cesárea de urgência, fazer a medicação o mais precoce possível;

–     Amniorrexe a mais tardia possível.

–     Se a paciente não foi testada previamente para a infecção HIV, fazer o teste rápido visando sua detecção, após aconselhamento da paciente. Se o resultado for positivo, não é necessário aguardar o resultado confirmatório para começar a administração do AZT endovenoso.

Parto

–     Além da paramentação normal para o parto acrescentar uso de óculos, aventais plásticos e enluvamento duplo;

–     Por medida de biosegurança o parto deve ser realizado por profissional experiente;

–     Via de parto;

–     Se a paciente tiver carga viral para o HIV menor que 1000 cópias/ml, bolsa rota ou estiver em franco trabalho de parto e ausência de lesões condilomatosas que funcionem como um tumor prévio o parto deve ser por via normal;

–     Se carga viral para o HIV for maior que 1.000 cópias /ml, idade gestacional de 38 semanas confirmada por ecografia em paciente fora de trabalho de parto e bolsa íntegra ou grande massa condilomatosa que impeça o parto normal, indica-se cesárea eletiva;

–     Evitar o parto instrumentalizado;

–     Analgesia/anestesia, sem diferença com as mães não infectadas pelo HIV;

–     Clampear rapidamente o cordão umbilical;

–     Nas pacientes que estão nos grupos B e C da infecção HIV, fazer antibioticoprofilaxia (cefazolina 2,0 gramas endovenoso) mesmo após parto normal;

–     Se houver necessidade de fórceps, curagem ou cesárea, a antibioticoprofilaxia estará indicada para todas as pacientes contaminadas pelo HIV.

Puerpério

–     Não há necessidade de isolamento, somente individualizar vaso sanitário. Ideal é alojamento conjunto;

–     Bloquear aleitamento com cabergolina (1,0mg, dose única, via oral). Outra opção é a bromoergocriptina (2,5 mg, 1 a 2 vezes/dia),

–     Orientar anticoncepção segura;

–     Orientar retorno com 40 dias;

–     Estimular contato social, principalmente familiar;

–     Orientar cuidados de higiene nas pacientes com verrugas genitais.

Seguimento puerperal

–     Inteirar-se das dificuldades e solicitar ajuda multidisciplinar para resolvê-las;

–     Exame clínico geral e especializado;

–     Genitoscopia 90 dias após o parto, com colheita de citologia tríplice, cultura para Mycoplasma hominis/Ureaplasma urealyticum;

–     Hemograma;

–     Contagem CD4/CD8;

–     Se anticoncepção escolhida for hormonal, fornecer a medicação;

–     Retorno semestral para avaliar anticoncepção, condições clínicas e genitoscopia.