Câncer Anal, Reto, Proctologia

Portadora de um tumor raro na região anal, a apresentadora Ana Maria Braga enfrenta a doença com disposição admirável.
Monica Tarantino e Sara Duarte

A marca registrada da apresentadora Ana Maria Braga, 52 anos, sempre foi a transparência. Desde sua estréia na televisão, há oito anos, ela expõe aos telespectadores, sem cerimônia, a sua vida pessoal. Foi assim quando decidiu assumir o romance com seu segurança particular e atual marido, Carlos Madrulha, em 1996. Dois anos depois, também abriu o jogo diante das câmeras de tevê para falar, diretamente do hospital, sobre a cirurgia de retirada do útero que acabara de fazer. Sua mudança para a Rede Globo, em 1999, desviou o foco dos seus desabafos para o lado profissional. Pressionada pelas derrapadas na audiência do programa diário Mais você, queixou-se no ar de que não se sentia em casa e precisava de tempo para melhorar. A última sessão divã aconteceu na manhã da quinta-feira 26, quando, emocionada, Ana Maria dedicou o bloco final do programa para avisar ao Brasil que sofre de câncer. E foi mais longe: disse que a doença é de um tipo pouco comum, situado no reto e na virilha. Naquele mesmo dia, internou-se no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, para dar início à quimioterapia para vencer a enfermidade.

Se não fez tremer os ponteiros do Ibope (a média foi de 8,5 pontos, performance pouco superior à da véspera), a notícia criou comoção geral. Desde o dia anterior, quando o drama foi ao ar no Jornal Nacional, não se falou em outra coisa. Sua atitude foi elogiada por artistas, médicos e amigos, despertou solidariedade e mudou a agenda de muita gente. A diretora de núcleo da Rede Globo, Marlene Mattos, chegou do Rio minutos depois da internação. O padre Marcelo Rossi ligou pela manhã, deu bênçãos ao vivo e ainda prometeu rezar por ela. Até a equipe do Mais você, sensibilizada, surpreendeu a estrela, colocando-a para conversar com fãs pelo telefone. O ponto máximo foi a participação de um garoto de 12 anos que fez Ana Maria cair no choro. Foi a cena final do primeiro capítulo de uma novela que promete fazer parte da vida de milhares de pessoas nos próximos meses.

A loura Ana Maria suspeitou que havia algo errado com a saúde há cerca de um mês, ao notar a presença de nódulos na virilha. Numa consulta com o ginecologista Eduardo Tomioka, seu médico particular, decidiu fazer um exame mais detalhado, uma biópsia. O resultado saiu na sexta-feira 13 e caiu como uma bomba, pois revelava a presença de tumores malignos. Ela absorveu o impacto rapidamente. A lição deixada pela luta vitoriosa contra um melanoma (tipo de câncer de pele) no antebraço, dez anos antes, lembrava que era necessário agir logo. Na segunda-feira 23, orientada pelos oncologistas Antônio Carlos Buzaid e Eduardo Akaishi, ela foi a Miami (EUA) submeter-se a um exame chamado PET scan. O objetivo era descobrir o estágio do tumor e checar se havia outro foco. Mal chegou ao Brasil, Ana Maria soube que a notícia já havia vazado. “Ela só queria falar com o resultado do exame em mãos”, conta a mãe da apresentadora, Lourdes Maffei, 84 anos.

Ana Maria chama a atenção pelos mais diferentes motivos. Alvo constante de críticas pelo excesso, ela sabe que incomoda. Ora pelo visual extravagante, ora pela risada escandalosa. Ou por assumir que fez fortuna com merchandising de produtos de qualidade duvidosa e até pelo jeito informal de se dirigir às telespectadoras, chamando-as carinhosamente de “abobrinhas”. Mas, desta vez, a espontaneidade contou a seu favor. Afinal, não é todo dia que uma mulher carismática e bem-sucedida assume publicamente uma doença grave. “Em geral, os famosos expõem apenas a beleza. Se você não é jovem e bonito, é desvalorizado. O doente teoricamente é fraco e feio. Assumir na tevê essa condição é um ato de coragem”, afirma o psiquiatra Arthur Kaufman, da Universidade de São Paulo. Ainda mais se tratando de um mal que, apesar dos avanços no tratamento, ainda provoca medo e preconceito. “Ao conversar francamente sobre o câncer na televisão, ela ajuda a tirar o estigma da doença”, afirma a oncologista Nise Yamaguchi, diretora da Sociedade Brasileira de Cancerologia. Com sua popularidade, Ana Maria acertou mais um alvo. Garantindo aos telespectadores que estará de volta ao batente no dia seguinte à saída do hospital, prevista para a terça-feira 31, ela tocou num ponto delicado para as pessoas que estão em tratamento. De acordo com uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os pacientes de câncer em idade produtiva querem saber exatamente em quanto tempo poderão retornar ao trabalho. “Isso é importante para a pessoa organizar a vida e ter a certeza de que a doença não é uma sentença de morte”, explica o oncologista Reynaldo Garcia Filho, da Unifesp.

Ana Maria acredita nisso. Familiares e amigos garantem que ela está serena para enfrentar a batalha contra o novo câncer. “Minha filha reagiu com muita calma. Ela acredita que vai sair desta”, assegura Lourdes Maffei. Adepta da auto-ajuda e habituada a dar conselhos para melhorar a estima dos telespectadores, Ana Maria valeu-se das suas dicas para não se deixar abater. No dia em que contou seu drama ao vivo, vestiu um conjunto verde, chegou mais cedo ao estúdio e caprichou no pensamento positivo. “A cura vai partir do meu coração e da força do meu público”, declarou. E emendou: “Se você aí em casa está passando por um problema igual ao meu, muita força!”

Tratamento – Depois do show matinal, Ana Maria seguiu para o Sírio-Libanês, onde tomou a primeira dose de quimioterapia, procedimento adotado pelos médicos para combater o mal. As drogas ministradas são cisplatina e 5FU. “Elas agem no DNA da célula cancerosa, dificultando a multiplicação e levando-a à morte”, explica Antônio Carlos Buzaid, chefe de oncologia do hospital. Após esse primeiro ataque ao tumor – com duração de cinco dias –, Ana Maria ficará três semanas sem receber medicação. Nesse período, pretende trabalhar normalmente. Depois disso, voltará ao hospital para mais uma dose de quimioterapia, seguida de nova pausa. Em seguida, dependendo da resposta ao tratamento inicial, começa o processo mais delicado, que combina a quimioterapia com sessões de radiação. “A radioterapia é essencial nesse caso”, completa Buzaid. 
Nessa etapa, a apresentadora estará sujeita a efeitos colaterais do tratamento, como enjôo e queda de cabelos. Ana Maria preveniu o público. “Vou ficar um pouco atrapalhada e eventualmente terei de usar umas peruquinhas coloridas”, disse. A rotina, entretanto, não deverá ser alterada. Seu médico já avisou que ela poderá continuar tocando a vida sem grandes mudanças, mas não será uma surpresa se daqui por diante ela optar por hábitos mais saudáveis. Até descobrir o câncer, a apresentadora fumava pelo menos um maço de cigarros por dia e preferia regimes à ginástica. Também levantava as cinco da manhã e trabalhava até às 20h, sem pausa para refeições ou descanso.

Metástase – O tumor encontrado no organismo de Ana Maria mede oito milímetros. É um carcinoma (um tipo de câncer) no ânus, em uma região localizada próxima da extremidade do reto (a parte final do intestino grosso). Esse câncer é raro – nos Estados Unidos, quatro mil casos foram registrados no ano passado, contra 190 mil tumores identificados de mama – e costuma atingir mais as mulheres. Existe a suspeita de que o problema de Ana Maria esteja se desenvolvendo há algum tempo, já que se expandiu para a virilha, num processo conhecido como metástase (quando células cancerosas saem do seu sítio original e atacam outras partes do corpo). Buzaid esclarece que o tumor não tem nenhuma relação com o melanoma que a apresentadora teve no passado. “Existe uma associação entre o carcinoma anal e o HPV (ou papilomavírus humano, uma doença sexualmente transmissível). Mas não sabemos se Ana Maria foi infectada pelo vírus. Muitas mulheres não apresentam sintomas”, observa. Segundo pesquisa feita pela oncologista Nise Yamaguchi, alguns tipos de HPV (há mais de 100 variedades) estão presentes em 70% dos pacientes com o carcinoma anal. Outros especialistas afirmam que há mais causas para o problema. “Ele pode ser consequência de infecções, herpes e traumas no local”, diz Agnaldo Anelli, chefe de oncologia clínica do Hospital do Câncer de São Paulo. Alguns dos sintomas comuns a esse tipo de câncer são dores na região afetada, espontânea ou durante a evacuação, sangramento e alteração da forma das fezes. No entanto, a apresentadora não teve tais sinais. Ela procurou ajuda devido ao desconforto na virilha. Na opinião do oncologista Elias Abdo, do Centro de Referência de Saúde da Mulher, Ana Maria agiu certo ao procurar logo o ginecologista. “Toda alteração anatômica deve ser investigada. Principalmente se persistir por mais de um mês”, explica Abdo.

De acordo com os médicos, o câncer que atinge a apresentadora é de nível 3, numa escala que vai até 4. Seu estágio avançado, entretanto, não elimina as chances de cura. “Trata-se de um tipo pouco frequente de tumor, que reage muito bem aos tratamentos que combinam quimioterapia e radioterapia”, explica o oncologista Sérgio Simon, do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo.

Dependendo do estágio em que se encontra o tumor, essa associação pode eliminar a doença em mais de 80% dos casos. “Os demais ainda podem ser tratados com cirurgia e quimioterapia”, explica o oncologista Gilberto Schwartsmann, da Universidade Luterana do Rio Grande do Sul. A solução mais radical é o fechamento do reto (ou colostomia), que leva o paciente a usar uma bolsinha plástica para servir como depósito. Mas o oncologista Buzaid nem pensa em adotar esse recurso. “Colostomia, só em último caso. Ana Maria tem de 50% a 70% de chances de se curar.”

Com a medicina ao seu lado e o apoio do público para quem confidenciou seu drama, Ana Maria Braga tem bons motivos para enfrentar essa batalha de peito aberto. Na opinião da psicóloga Helena Lima, da PUC de São Paulo, a apresentadora se fortalecerá com a solidariedade dos fãs e amigos. “Além disso, com essa exposição, ela vai conseguir o que algumas campanhas não conseguem: aumentar o conhecimento e a prevenção de doenças como o câncer”, aponta Helena. A pesquisadora Denise Ramos, do núcleo de Psicossomática e Psicologia, também da PUC, adianta que só o fato de a paciente acreditar sinceramente na cura já lhe rende pontos preciosos. “Otimismo não é garantia de salvação, mas estudos comprovam que o pensamento positivo ativa substâncias que melhoram as defesas do organismo”, afirma. Como diz Buzaid, a apresentadora tem determinação, algo essencial para vencer a doença. Mais do que nunca, é hora de a loura manter a coragem e abusar da famosa risada.

Colaboraram: Carla Gullo, Celina Côrtes, Chico Silva, Francisco Alves Filho, Lena Castellón e Marina Caruso

Fonte Portal Terra – Isto é Independente